Balé diplomático do Brasil e dança de quadrilha na ONU

Caio Blinder

Coce a cabeça ou, em um esforço maior, faça acrobacia mental para entender os malabarismos da política externa brasileira nas Nações Unidas. Na semana passada, em três votações sobre violações dos direitos humanos em um comitê da assembléia-geral da ONU, o Brasil votou assim: abstenção nos casos do Irã e Mianmar e condenação da Coréia do Norte. Falta de coerência, pois estão aí três países consistentes no prontuário de direitos humanos. São três países torturados por regimes delinquentes. Eu não vou fazer muita acrobacia mental. O balé diplomático está mais para dança de quadrilha, pragmatismo criminoso e interesses circunstanciais.

E o Brasil não está sozinho nesta dança. Naquelas três votações, a Índia, o outro emergente do bloco Bric com um regime democrático, se mal comportou assim: não condenação para Mianmar e abstenção para Irã e Coréia do Norte. Os EUA e um montão de “decadentes” países ocidentais votaram “sim” nos três casos. A Índia tem seus negócios e cálculos estratégicos com os quadrilheiros que mandam no vizinho Mianmar e desta vez não fez defesa cerrada do Irã, pois Teerã falou o que Nova Déli não gostou sobre a confusão na Cachemira (um dia, eu explico). E, como de hábito, China e Rússia tentaram segurar a barra da bandidagem nesta dança de quadrilha diplomática.

Os regimes deliquentes lançaram a fuzilaria verbal de sempre contra estas acusações. A Coréia do Norte, aquele gulag com bombas nucleares, disse que as resoluções mostram o Ocidente empenhado no confronto. Mas claro que a indignação com a ditadura de Kim Jong-il é muito mais expressiva. Foram 100 votos a favor da condenação, 18 contra e 60 abstenções. Ainda assim, é chocante o número de votos contrários e abstenções em um resolução sobre direitos humanos no gulag norte-coreano.

O sujeito que comanda a diplomacia de Mianmar ( o gulag na selva asiática e país da heróica dissidente e Prêmio Nobel da Paz, Aung Sang Suu Kyi, recentemente libertada da prisão)) disse que a votação foi “profundamente falha”. Tem razão. Afinal foram apenas 96 votos condenando o país (com 28 contrários e as 60 abstenções, entre elas a do Brasil).
    
Já para o Irã, foram 80 votos a favor da condenação, 44 contra e 57 abstenções.  O regime de Teerã  rebateu que as votações mostram hostilidade ocidental e sionista (sempre os judeus) contra o regime iraniano e blá blá blá. Mohammad Javad Larijani, do Alto Conselho de Direitos Humanos do Irã (é, lá existe este cargo) fulminou que existe hipocrisia, pois Israel não é tratado com o mesmo rigor pelos EUA e seus aliados ocidentais.
    
Eu concordo que os americanos costumam segurar a barra de Israel (não que o país mereça ser equiparado ao Irã), mas países europeus são pródigos em condenar o Estado judeu, que, aliás, é o maior alvo de pancadaria, simplesmente escandalosa, em comitês das Naçoes Unidas, a destacar naquele troço em Genebra, o Conselho de Direitos Humanos, que tem entre seus atuais vice-presidentes o cubano (si, Cuba no libre) Rodolfo Reyes Rodriguez. A próposito, o Itamarati considera que este conselho seja o fórum ideal, e não a assembléia-geral em Nova York, para debater e votar sobre direitos humanos. Os cubanos também.
    
Vamos ser sinceros, ninguém é mocinho nesta dança de quadrilha da diplomacia (embora alguns sejam mais bandidos). No começo do mês, os EUA tiveram sucesso para impedir que o Irã ganhasse assento em um novo órgão (mais um) das Nações Unidas para cuidar dos direitos da mulher. Posição coerente. Afinal, o que o Irã, onde mulheres são sentenciadas a morte por apedrejamento, como o caso de Sakineh Ashtiani, pode fazer num organismo de defesa da mulher? A mesma pergunta vale para a Arábia Saudita, que ganhou o assento para o comitê (para o qual será um importante patrocinador financeiro).Mas neste caso, a diplomacia americana não chiou e deu o beneplácito para seu grande aliado no Oriente Médio, onde as mulheres sequer podem dirigir carro. Como disse a iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz, tanto faz: é uma piada colocar Irã ou Arábia Saudita num órgão de defesa da mulher. Acaba sendo piada o próprio voto saudita contra o Irã naquela votação dos direitos humanos. Não foi, é claro, por bom mocismo, mas pelas disputas políticas e religiosas entre os dois países
.
No entanto, mesmo em dança diplomática de quadrilha existe uma finesse de balé. Coréia do Norte e Mianmar estão pouco se lixando para estas votações de direitos humanos. São delinquentes assumidos. Já o Irã é uma facção diferente. Genuinamente, zela por sua imagem e se considera um digno defensor dos direitos humanos (é, daqueles que seguem fielmente o regime). Todo ano, o presidente Mahmoud Ahmadinejad faz peregrinação para as Nações Unidas para entoar sua ladainha antiamericana e contra a “entidade sionista” e também compartilhar sua bizarra visão de mundo. Ele considera a ONU um púlpito importante para sua pregação, negação e alucinação.

Mas a entidade e suas agências são cada vez menos hospitaleiras para o presidente iraniano. Até o pacato secretário-geral, o sul-coreano Ban Ki- moon, puxa com mais frequência as orelhas de Ahmadinejad por sua agenda nuclear de fins não pacíficos, enquanto o direitor da Agência Internacional de Energia Atômica, o japonês Yukya Amano, é mais firme nas cobranças do que o antecessor, o egípcio Mohammed ElBaradei.

Os americanos e seus aliados estão dando bons passos na dança de quadrilha. Este foi o sétimo ano consecutivo de condenação na ONU por violações de direitos humanos no Irã. Desta vez, foram 80 votos, seis a mais do que no ano passado.  Há também relatos de que as sanções impostas tanto pela ONU como unilaterais para castigar o Irã por seguir adiante com seu programa nuclear estão machucando.

No entanto, o cerco não faz com que o regime de Teerã mude seu comportamento, seja na questão nuclear, seja em direitos humanos. Os EUA, que não querem encarar o cenário de um ataque militar, insistem que está mais dificil para o Irã avançar nas suas atividades de enriquecimento de urânio. Há dúvidas, porém, se os vários desdobramentos nas Nações Unidas vão provocar mudanças na postura de Teerã nas negociações multilaterais sobre o seu programa nuclear programadas para o começo de dezembro.
   
Uma leitura mais positiva, ou um consolo, é que o Irã está mais isolado internacionalmente, embora na hora do maior sufoco possa contar com os préstimos de russos e, particularmente, chineses. O Irã evidentemente não se conforma com o cerco. Insiste, por exemplo, que votações sobre direitos humanos não são sobre direitos humanos. Mas são uma mera provocação dos EUA (e de outros 79 países). Seu emissário Mohammad Javad Larijani diz que seu país não quer ser uma “cópia xerox da democracia ocidental”. Que nada. Copie o que existe de menos pior, como lembrou Churchill. Na ONU, Larijani perguntou: “Qual é o nosso crime”? Não dá para responder com a absenção.

Fonte: Veja

Comentários

  1. Roberto,

    Independente de quem tenha colaborado com o que, o certo é que nada justifica a guerra, o ódio e a intolerância.

    Erros são recorrentes em todos os sistemas de governo constituidos de que se tem notícia desde os primórdios até os dias de hoje, e o que o mundo mais precisa nesse momento e tentar corrigir seu rumo. A correção nem sempre é uma tarefa fácil de se colocar em prática.

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  2. Esse presidentezinho meia-boca é um verdadeiro lesa-pátria, o povo brasileiro tem mais em comum com o laborioso povo israelense e aparece esse derrotista do Lula e se alia com os discursos vazios e coitadistas que a esquerda adora: cai em todas as chorumelas do Ahmadinejad e chegou a cometer uma gafe incomensurável na visita a Israel, se recusando a visitar o túmulo de Theodor Herzl mas só faltava lamber o chão do túmulo do Arafat. Quanto aos europeus, depois que a "Eurábia" estiver oprimindo eles e acabando com as liberdades individuais não adianta quererem reclamar, depois que grande parte dos judeus sobreviventes do holocausto procuraram segurança em outros locais os europeus foram deixando os muçulmanos irem chegando e quando viram os "visitantes" já estão querendo mandar por lá...

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