O mistério de Deus, a Igreja – a atuação do dinamismo divino pela Reforma Protestante


Martin Lutero

Na carta de Paulo aos cristãos em Éfeso, ao dirigir recomendações específicas de como viverem a sua vida de fé dentro dos parâmetros da vontade de Deus no contexto familiar, Paulo comparou mulher e marido ao que depois referiu-se como mistério: a igreja de Cristo. De acordo com o apóstolo, as mulheres deveriam sujeitar-se aos seus maridos no Senhor assim como a igreja está sujeita à cabeça da igreja – o Senhor Jesus Cristo.

Embora o próprio apóstolo reconheça que de certa forma a igreja constitui-se num profundo mistério, foi categórico em outras ocasiões ao afirmar que o grande mistério de Deus havia sido revelado através do sacrifício de Cristo na cruz. Em Colossensses 1:26, Paulo refere-se a igreja como “mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e que agora foi manifesto” com um único propósito: congregar em Cristo todas as coisas (Efésios 1:10). Assim, como propõe o próprio termo “igreja” o propósito de Deus gira em torno do alcance de cada ser humano com a mensagem do evangelho.

Mas, o que é mesmo “igreja”?

“Edificarei a minha igreja”. Esta é a primeira entre as mais de cem referências no Novo Testamento que empregam a palavra grega primária para “igreja”: ekklêsia, composta com a preposição ek (“fora de”) e o verbo kaleõ (“chamar”). Logo, ekklêsia denotava originalmente um grupo de cidadãos chamados e reunidos, visando um propósito específico. O termo é conhecido desde o século V a.C., nos escritos de Heródoto, Xenofontes, Platão e Eurípides. Este conceito de ekklêsia prevalecia especialmente na capital, Atenas, onde os líderes políticos eram convocados como assembléia constituinte até quarenta vezes por ano. O uso secular do termo também aparece no Novo Testamento. Em Atos 19.32,41, por exemplo, ekklêsia refere-se à turba enfurecida de cidadãos que se reuniu em Éfeso para protestar contra os efeitos do ministério de Paulo.

Na maioria das vezes, porém, o termo tem uma aplicação mais sagrada e refere-se àqueles que Deus tem chamado para fora do pecado e para dentro da comunhão do seu Filho, Jesus Cristo, e que se tornaram “concidadãos dos santos e da família de Deus” (Ef 2.19). Ekklêsia é sempre empregada às pessoas e também identifica as reuniões destas para adorar e servir ao Senhor. Hoje, “igreja” comporta vários significados. Refere-se frequentemente ao prédio onde os crentes se reúnem (por exemplo: “Estamos indo à igreja”). Pode indicar a nossa comunhão local ou denominação (“Minha igreja ensina o batismo por imersão”) ou um grupo religioso regional ou nacional (“a igreja do Brasil”). A palavra é empregada frequentemente com referência a todos os crentes nascidos de novo, independentemente de suas diferenças geográficas e culturais (“a Igreja do Senhor Jesus Cristo”). Mas seja como for, o significado bíblico de “igreja” refere-se primariamente não às instituições e culturas, mas sim às pessoas reconciliadas com Deus mediante a obra salvífica de Cristo e que agora pertencem a Ele.

Como obra do próprio Cristo, fundada e sustentada por Ele, a igreja como instituição divina caracteriza-se por sua perfeição como corpo de Cristo, e, portanto, universal. Pessoas de todas as etnias, línguas e nações são conclamados pelo próprio Cristo a integrar-se a ela e através de seu sacrifício, a fim de obter comunhão com Deus e com os demais cristãos. Nesse aspecto, a igreja de Cristo é o ajuntamento de todos os cristãos em qualquer parte do mundo em que eles estejam presentes, independente do ramo denominacional e cultural em que estejam inseridos.

Embora seja uma instituição divina perfeita, o corpo de Cristo na terra possui sua dimensão humana, que se manifesta através do que chamamos de igreja local – uma expressão da instituição divina, que embora possua suas características peculiares de acordo com o ramo denominacional e até cultural nas mais diversas regiões e povoados em todo o mundo, está ligado aos demais como igreja universal e como corpo místico de Cristo na terra, e como tal, precisa estar debaixo dos princípios apresentados na palavra de Deus a fim de que vivam de acordo com sua soberana vontade.

Assim, de acordo com a palavra de Deus, podemos inferir que cada cristão em perfeita comunhão com Cristo e com os demais cristãos, individualmente é um membro no corpo de Cristo, e que a igreja local como expressão da igreja universal devidamente organizada deve trabalhar arduamente pela evangelização dos não alcançados, prezar pelo ensino sistemático da palavra de Deus e promover comunhão e congraçamento do povo de Deus, mantendo assim a sua identidade de igreja autêntica.

O formalismo exacerbado e os caminhos da institucionalização humana sem Deus

Durante a era patrística (o período antigo dos pais da Igreja e dos apologistas da fé), a Igreja experimentou dificuldades externas e internas. Externamente, sofria perseguições severas pelo Império Romano, especialmente durante os trezentos anos iniciais. Ao mesmo tempo, dentro da Igreja desenvolviam-se numerosas heresias, que a longo prazo revelaram-se mais desastrosas que as perseguições.

A Igreja, pela graça soberana de Deus, sobreviveu as esses tempos árduos e continuou crescendo, mas não sem algumas mudanças de consequências negativas. No esforço para manter a união, a fim de melhor resistir as devassas causadas pelas perseguições e heresias, a Igreja cada vez mais cerrava fileiras com os seus líderes, elevando a autoridade destes. Especialmente depois de conseguirem a paz e a harmonia política com o governo romano do século IV, a hierarquia religiosa foi subindo de categoria.

À medida que era aumentada a autoridade e o controle dos clérigos (especialmente dos bispos), diminuía a importância e a participação dos leigos. Dessa maneira, a Igreja se tornava cada vez mais institucionalizada e menos dependente do poder e orientação do Espírito Santo. O poder do bispo de Roma e da Igreja sob seu controle foi crescendo, de modo que, próximo do fim da Era Antiga, a posição de papa e a autoridade da organização, que começava a ser chamada Igreja Católica Apostólica Romana, se solidificaram na Europa Ocidental. A igreja ocidental, no entanto, separou-se e permaneceu sob a direção de bispos chamados “patriarcas”.

Durante a Idade Média, a igreja cristã continuou trilhando os caminhos da institucionalidade, o que a levou a um formalismo exacerbado e sem vida, distanciando-se cada vez mais da orientação divina conforme as escrituras. No propósito de tentar “espiritualizar” esse novo momento da história da igreja, os papas passaram a exercer a sua autoridade tanto no campo eclesiástico como em assuntos temporais, pois de acordo com os “vigários de Cristo” o reino de Deus havia de fato se instalado sobre a Terra, e era missão da igreja como instituição influenciar a sociedade e alcançar todas as pessoas, o que automaticamente a levou a legislar sobre todas as áreas da vida dos fiéis.

O despertar da igreja na Reforma – o dinamismo do “mistério” revelado

É certo que nem todos aceitaram a crescente secularização da Igreja e sua aspiração de cristianizar o mundo. Houve algumas tentativas notáveis de reformar a Igreja, na Idade Média, e de recolocá-la no caminho da verdadeira espiritualidade. Vários movimentos monásticos (por exemplo, os cluníacos do século X e os franciscanos do século XIII) e até mesmo leigos (os albigenses e os valdenses, ambos do século XII) fizeram esforços nesse sentido. Figuras de destaque, como os místicos Bernardo de Clarival (século XII) e Catarina de Siena (século XIV) e clérigos católicos, como John Wycliffe (século XIV) e João Hus (final do século XIV, início do século XV) procuravam livrar a Igreja Católica de seus vícios e corrupção e devolvê-la aos padrões e princípios da Igreja do Novo Testamento.

A Igreja de Roma, no entanto, rejeitava de modo geral essas tentativas de reforma. Ao contrário, tornava-se cada vez mais endurecida na doutrina e institucionalizada na tradição. Semelhante atitude tornou quase inevitável a Reforma Protestante por Martinho Lutero em 31 de outubro de 1517 e outros colaboradores, que embora discordantes em pontos diversos da interpretação das escrituras, tinham um único propósito e objetivo: encaminhar a igreja a uma profunda reforma espiritual, onde os valores bíblicos e divinos estivessem acima de interesses e ideais humanos e corruptos.

Na era pós reforma, os indivíduos e instituições acabaram por seguir caminhos diferenciados de acordo com a interpretação que cada movimento adotou durante a reforma, e infelizmente muitos deles acabaram por repetir os erros do passado prejudicando a saúde espiritual de muitos fiéis. No entanto, novos movimentos ortodoxos voltaram a fazer a diferença como prova de que as palavras de Jesus de que nem mesmo as portas do inferno triunfariam sobre sua igreja são de fato dignas de aceitação, o que não exclui a necessidade de uma reforma ainda mais profunda em nossos dias, começando nos indivíduos e refletindo nas comunidades e organizações, a fim de que a palavra de Deus tenha primazia sobre as direções, praticas e propósitos da igreja na terra. De fato, a igreja como mistério de Deus revelado em Cristo, trata-se da instituição mais dinâmica que já se conheceu, pois possui como seu sustentador o próprio Cristo.

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