Pio 12, "o Papa de Hitler", teria salvado judeus, conclui pesquisador protestante



Pio 12


Pio 12 foi vilificado como "o papa de Hitler", acusado de não condenar publicamente o genocídio dos judeus da Europa. Agora, um historiador britânico descobriu grande volume de materiais que fontes sobre o Vaticano acreditam poder restaurar a reputação do Pontífice, revelando o papel que ele desempenhou na oposição ao nazismo e no resgate às vítimas de perseguição nazista.

O protestante Gordon Thomas obteve acesso a documentos que o Vaticano mantinha em sigilo e rastreou a localização de vítimas, sacerdotes e outras pessoas que até agora não haviam contado suas histórias.

"The Pope's Jews" (o papa dos judeus, em tradução livre), que será publicado no mês que vem no Reino Unido, detalha a maneira pela qual Pio 12 permitiu o estabelecimento de refúgios para pessoas perseguidas no Vaticano e nos conventos e mosteiros da Europa. Ele comandava uma operação que utilizava codinomes e documentos falsificados, na qual padres arriscavam as vidas para proteger judeus, alguns dos quais até receberam a cidadania do Vaticano.

Thomas mostra, por exemplo, que padres foram instruídos a conceder certidões de nascimento a centenas de judeus escondidos em Gênova, Roma e outras cidades italianas. Mais de dois mil judeus húngaros receberam documentos falsificados do Vaticano que os identificavam como católicos, e uma rede salvou judeus alemães e os conduziu a Roma para refúgio.

O papa indicou um padre e lhe concedeu verbas generosas para prover comida, roupas e remédios para essas pessoas. Mais de 4.000 judeus encontraram refúgio em conventos e mosteiros de toda a Itália.

Durante a guerra e no imediato pós-guerra, Pio 12 era visto como salvador pelos judeus. Líderes judaicos --a exemplo do rabino chefe de Jerusalém, em 1944-- afirmavam que o povo de Israel jamais esqueceria o que o papa e seus subordinados "estão fazendo por nossos desafortunados irmãos e irmãs nessa hora trágica". Jornais britânicos no Reino Unido e nos Estados Unidos ecoavam esses elogios, e Hitler acusou o pontífice de "amor pelos judeus".

Mas essa imagem foi maculada nos anos 1960, graças ao antagonismo soviético contra o Vaticano e a uma peça do alemão Rolf Hochhuth, "O Assistente", que vilificava o papa, acusando-o de silêncio e inação quanto aos judeus. A tendência se intensificou com a publicação de "O Papa de Hitler" (Imago), livro de John Cornwell.

No entanto, como secretário de Estado do Vaticano antes da Segunda Guerra Mundial, o futuro Papa contribuiu para "Com Ansiedade Candente", uma encíclica crítica ao nazismo que o papa Pio 11 divulgou em 1937. Ao assumir o pontificado como Pio 12, ele fez discursos condenatórios que, na época, eram geralmente interpretados --por líderes e jornais judaicos, inclusive-- como clara condenação das políticas raciais de Hitler. Devido à linguagem diplomática tradicional empregada pelo Vaticano, a acusação de que Pio 12 não se pronunciou contra o Vaticano persistiu e se agravou.

Fontes primárias

O professor Ronald Rychlak, autor de "Hitler, the War and the Pope", disse que "Gordon Thomas localizou fontes primárias... Rastreou o paradeiro de familiares e documentos originais, e estabeleceu uma vez mais a percepção que era universal antes de 1960. Mostrou que, na época, as pessoas --vítimas, vilões e perseguidores-- sabiam que Pio 12 fez o que pôde para ajudar as vítimas do Holocausto".

Perguntado sobre os motivos para que o Vaticano não tivesse divulgado o material até agora, ou, no caso de histórias conhecidas, por que elas não foram divulgadas de maneira mais ampla, Thomas respondeu que "a Igreja pensa em termos de séculos. Uma disputa que dure 50 anos não a incomoda".

William Doino, historiador do Vaticano, descreveu a pesquisa de Thomas como "única e revolucionária". Ele falou sobre as revelações do livro, por exemplo a história do padre irlandês Hugh O'Flaherty: "Todo mundo sempre elogiou O'Flaherty por ter ajudado judeus e prisioneiros de guerra fugidos, e Hollywood produziu um filme sobre ele, 'The Scarlet and the Black', com Gregory Peck. Mas a ideia foi sempre a de que estava agindo por conta própria, e que Pio 12 se manteve distante e não ofereceu ajuda alguma. Gordon conversou muito com a família O'Flaherty, que revelou que todas as atividades do padre contavam com a colaboração do Papa".

O livro também revela a história de Vittorio Sacerdotti, um jovem médico judeu que conseguiu continuar trabalhando em um hospital do Vaticano, inventando uma falsa doença infecciosa que evitou a entrada dos alemães. Dezenas de falsos pacientes foram ensinados a tossir convincentemente.

Thomas entrevistou a prima de Sacerdotti, que recordou ter sido uma dessas pacientes, na infância --"eu não me sentia doente, mas tinha de tossir regularmente na enfermaria".

O Vaticano está tão entusiasmado com o livro que está apoiando a produção de um documentário em longa-metragem por uma produtora britânica que adquiriu os direitos do livro.

Allen Jewhurst, que produziu documentários para o programa "Panorama", da BBC, disse que, em um planeta com mais de um bilhão de católicos, o interesse pela história é imenso. Depois de uma reunião com dois cardeais no Vaticano, ele e Thomas esperam obter acesso exclusivo aos arquivos. "O filme, com sorte, contará a versão definitiva da história", ele afirmou.

Thomas, que também escreveu "The Voyage of the Damned", livro sobre refugiados judeus, conta: "O pessoal do Vaticano disse: 'Que bom. Enfim a verdade'".

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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